OPINIÃO

Um futuro sem passado

Fausto Monteiro Grilo

Num passado recente, o futuro da mobilidade era traçado como eléctrico. No presente, alguns dos construtores – mesmo aqueles que subscreveram o futuro eléctrico – já propõem os motores de combustão interna, a par dos motores eléctricos. No entanto, os políticos/governantes, em especial os que têm assento na capital belga, parecem ter outra ideia. Ao que parece, esta não contempla processos industriais, ignora estruturas logísticas, e conta com o desaparecimento do dinheiro físico, tal como o conhecemos e utilizamos hoje.

Vamos abrir a porta da ficção e entrar no universo virtual da digitalização. Se as notas e moedas forem substituídas por “dinheiro” digital, desaparece a vontade própria de reter ou gastar o que agora identificamos como o ‘nosso’ dinheiro.

Ao ignorar as estruturas logísticas e processos industriais, seja pelo aumento de taxas e impostos, ou liberalização das áreas de negócio, abrem-se as portas à concorrência de mercado. Esta seria benéfica se – à concorrência – não se juntassem o protecionismo e monopólios.

Num regresso à actual realidade e do lado da política/governação, as imposições continuam a superar as soluções. Por outras palavras e mesmo perante a ausência de fundamentação, as questões ambientais, remetem para segundo plano as soluções técnicas.

1968-Opel-Stir-Lec I

No caso dos automóveis eléctricos, é evidente que podemos falar de emissões zero na utilização. Todavia, ficou por discutir e demonstrar que a construção das baterias (de lítio ou hidretos metálicos) e posterior reciclagem, sejam menos poluentes face aos motores a combustão interna.

Na mesma linha de pensamento estratégico, seria interessante saber se a substituição do plástico por papel, não compromete a fonte. Se deixamos de utilizar plástico devido à proveniência do crude, será lógico consumir papel derivado das árvores?

Num contexto político-económico desafiante, os portugueses deparam-se com várias decisões financeiras e a necessidade de ajustar o orçamento familiar. Apesar de o valor dos combustíveis sofrer muitas oscilações de preço, muitos são aqueles que não dispensam o carro para as deslocações diárias, em parte porque consideram que a rede de transportes públicos não corresponde às suas necessidades.

Por outro lado, adquirir um meio de transporte mais “amigo do ambiente” não está nos planos da maioria dos portugueses (76%), já que consideram os custos com carros eléctricos demasiado elevados, conforme revela o Observador Automóvel 2024, estudo realizado pelo Cetelem, marca comercial do grupo BNP Paribas Personal Finance.

O custo dos veículos eléctricos é um factor que pesa na hora da compra, e 76% dos portugueses consideram que o aumento do preço da eletricidade, pode tornar a utilização de um carro eléctrico demasiado caro, em comparação com os automóveis a gasolina ou a gasóleo – a média europeia é 74%.

Em paralelo, a maioria (51%) não acredita que seremos capazes de produzir electricidade suficiente para satisfazer as necessidades de todos os carros eléctricos. Uma preocupação que vai ao encontro do recente Relatório de Monitorização da Segurança de Abastecimento do Sistema Eléctrico Nacional, da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que revelou que o limite de referência de perda de carga na rede eléctrica será ultrapassado em 2024, podendo vir a ser necessárias acções mitigadoras, que podem impactar o carregamento de veículos eléctricos.

1971-Opel-Electro-GT

Ao longo de um século e por diversas vezes, os automóveis eléctricos foram apresentados como solução. Nos primeiros, o peso, o acesso e dificuldades dinâmicas, levaram ao abandono

desta solução. Mais tarde e ainda com recurso às baterias de chumbo, a ocupação de espaço das baterias e a limitação de autonomia, voltaram a ditar o abandono.

Na actualidade e com o problema da autonomia parcialmente resolvido, estão por resolver os tempos e lugares de carregamento, com estes a limitarem a mobilidade. Por outras palavras, quem tem o poder da decisão política, continua a descurar as soluções técnicas, não só as relativas ao automóvel, como as que dizem respeito à circulação e estacionamento.

Depois da moda das rotundas, o estreitamento de vias, a supressão de estacionamento e o inusitado alargamento dos passeios, continuam a condicionar a circulação, levando a menor fluidez do tráfego e a mais poluição.

Em muitas cidades europeias, além da criação de zonas condicionadas à circulação do transporte individual, as taxas cobradas são tangenciais ao pornográfico e, nalguns casos, propõe-se a interdição pura e simples.

Com mobilidade condicionada e sem papel moeda, o futuro continua a ser uma miragem cada vez mais difusa. Pelo menos para o indivíduo. Os grandes poluidores, continuam incontidos nos processos, perturbadores no controle e evasivos às sanções.

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